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Artigo de Opinião de António Esteves: Conclusões Eleitorais

Written by on 25 de Janeiro, 2021

  1. Marcelo Rebelo de Sousa venceu por ser Marcelo. Presidente popular, de afectos, sempre presente e pró-activo. O único que mostrou ter perfil para o cargo e que sabe sempre qual o momento certo para falar e aquilo que deve dizer em cada circunstância. Não perde tempo com assuntos que não são para este momento. Beneficiou do facto de ser candidato com a notoriedade e o espaço mediático de um presidente no activo. A confusão entre os dois papéis era tal, potenciada pela gestão da pandemia, que a certa altura acreditou que nem precisava de fazer campanha. A sua hipocondria ajudou a não entrar por ações de rua mais intensas. Foi o candidato dos maiores partidos e beneficiou também disso mesmo.
  1. Ana Gomes deixou-se encostar à luta contra os extremismos e fez uma campanha muitas vezes no limite do que é extremismo e populismo. Sem o apoio oficial do PS – que não quis ir oficialmente a jogo – não soube seguir em frente e aproveitar os apoios socialistas fora da tutela do Largo do Rato para se afirmar como uma socialista alternativa e capaz de « cativar também os independentes e desalinhados suficientes para ter um resultado melhor. Podia ter-se posicionado como uma das vozes para o futuro PS, que represente os críticos e descontentes da família socialista – não conseguiu porque se deixou enredar nas críticas a António Costa magoada pela falta de apoio da linha oficial do partido – mas limitou-se ao papel de paladina contra André Ventura, dando ao candidato do Chega muitos dos argumentos que precisava para se vitimizar.
  1. André Ventura não conseguiu aceitar as perguntas dos jornalistas numa noite eleitoral – ele que está sempre desejoso do confronto – para poder fazer mais um discurso populista e demagógico e até delirante de certa forma – quando disse que não haveria Governo em Portugal sem o Chega, por exemplo, porque nenhumas presidenciais permitem conclusões como esta. É um estilo, pouco tolerante com os hábitos democráticos e de oportunismo puro – as televisões transmitiram a mensagem que queria difundir mesmo que ele não tenha permitido o contraditório. Vale menos de 500 mil votos nestas presidenciais – 11,9% dos votantes mas apenas cerca de 0,5% dos portugueses, valor que ninguém garante possa repetir elias legislativas -, falhou o principal objectivo, ficar à frente de Ana Gomes e demitiu-se como tinha prometido, coisa que será facilmente ultrapassada em congresso, num partido que alimenta o culto do líder e que persegue os críticos de forma pouco discreta.

4. João Ferreira provou que vale menos do que o partido e perdeu para André Ventura onde era impensável o PCP perder há uns anos: no Alentejo.
Há claramente um voto de protesto nesta zona do país, que tem uma relação difícil e conflituosa com a comunidade cigana r que parece ter-se afastado das causas e do discurso de um PCP que alimentou uma parceria com o PS que desagradou a muitos militantes. A transferência directa do PCP para o Chega já tinha acontecido, com efeitos ainda mais devastadores – porque atirou o partido para a não representação – nas eleições regionais dos Açores. Inteligente, consistente e coerente, não deixou de ser o rosto de um partido que continua encerrado em alguns velhos dogmas estalinistas-leninistas e que se enredou em várias contradições e teimosias nesta pandemia, mal compreendidas pelo cidadão comum, o que afastou os simpatizantes e apenas manteve uma parte do núcleo duro dos militantes.
Ainda jovem apareceu muitas vezes com um discurso demasiado fechado em mantras ultrapassados mal compreendidos pelas novas gerações. O PCP precisa de se renovar urgentemente. João Oliveira será, na minha opinião, o dirigente com melhor imagem pública para liderar esse processo.

5. Marisa Matias é a grande desilusão desta campanha. Em baixo de forma ao nível do discurso político e da dinâmica eleitoral dos novos tempos, mostrou que nunca será uma candidata de uma primeira divisão, como são as presidenciais. Funcionaria melhor como uma candidata autárquica num quadro regional/local específico, ou numa lista das legislativas como cabeça de lista distrital. Num partido com tantos bons quadros e com relevância e notoriedade nacionais – Pedro Filipe Soares e Catarina Martins são bons exemplos – é inexplicável que o BE tenha apostado numa figura desgastada como Marisa provou ser neste momento.

6. Tiago Mayan Gonçalves é a grande surpresa desta campanha. Conseguiu afirmar-se como um nome alternativo na direita liberal, combatendo de forma inteligente – sem hostilizações fúteis – o discurso do candidato iliberal da extrema-direita, com uma aposta num discurso pedagógico sobre as virtudes dos liberais. Mayan contribuiu para destruir alguns mitos da actualidade sobre o liberalismo: que quer destruir o Estado, que não tem preocupações sociais, que defende apenas os mais ricos, que olha apenas para as empresas e para os mercados financeiros. Um nome incontornável sempre que se discutir a liderança da Iniciativa Liberal.

7. Vitorino Silva foi ele próprio, o Tino de Rans, populista e demagógico, simples e genuíno, divertido, simpático e agradável, mas que também consegue ser intolerante e desagradável – como aconteceu na entrevista ao Observador em que se portou como um menino mimado que não aceita ser contrariado. É o candidato do povo do Portugal profundo, que diz o que muitos pensam e debatem nas mesas do café mas que demonstra enormes carências em ternos de pensamento estruturado quando falamos de questões mais concretas e fora do senso comum: Constituição, economia, política europeia, grande temas nacionais como a reestruturação do Serviço Nacional de Saúde ou o sistema educativo. Tino passou de um momento hilariante num congresso do PS de Guterres, que eu acompanhei, para um personagem histriónico que é tolerável em democracia. Mas não vale mais do que isso. Nos próximos dias não será um herói em Rans, onde não conseguiu ganhar.

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Artigo de Opinião: António Esteves – Jornalista

Créditos da foto: Marisa Martins


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